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Criminal

Denúncia do MP aponta barricadas como estratégia de dominação por facções

Ação busca punir prática que facilita expansão territorial das facções criminosas e impede atuação do Estado em comunidades

Por Redação do Reporterpb

01/12/2025 às 18:51

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Imagem Ministério Público da Paraíba (MPPB)

Ministério Público da Paraíba (MPPB) ‧ Foto: Divulgação

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O Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB), por meio do 9º promotor de Justiça de João Pessoa, Ricardo Alex Almeida Lins, ofereceu denúncia criminal contra um homem acusado de reconstruir barricadas destinadas a impedir o acesso de viaturas policiais e demais serviços públicos à comunidade Irmã Dulce, no bairro de Barra de Gramame, em João Pessoa. A ação penal, protocolada sob o número 0819297-03.2025.8.15.2002, tramita na 1ª Vara Regional de Garantias de João Pessoa.

A investigação foi conduzida pela delegacia de Polícia Civil de Gramame, que documentou a prática ocorrida no dia 6 de novembro de 2025. Segundo a denúncia, o acusado foi flagrado reabrindo valas no calçamento público da rua Motorista Antônio Belarmino dos Santos, estruturas que haviam sido previamente fechadas pelas autoridades policiais. Ao ser abordado pelos agentes de segurança, o denunciado resistiu à prisão com violência física, desferindo socos e chutes contra os policiais militares.

O MPPB imputa ao denunciado os crimes de dano qualificado ao patrimônio público motivado por motivo egoístico e com grave prejuízo à vítima (artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal) e resistência (artigo 329 do Código Penal), sustentando que a conduta possui gravidade concreta incompatível com a aplicação de qualquer medida despenalizadora.

Prejuízo ao Estado e à população

A denúncia ministerial destaca que o ato de confeccionar barricadas configura motivo egoístico para a qualificação do dano, pois visa resguardar áreas ilegitimamente submetidas à dominação armada de facções criminosas, impedindo a presença e a atuação do Estado em parcelas do território nacional e expondo a população residente à influência direta desses grupos.

O impedimento ao acesso de viaturas policiais não impede apenas o patrulhamento ostensivo, mas também a entrada de ambulâncias em emergências médica, a atuação do Conselho Tutelar em casos de violação de direitos de crianças e adolescentes, a realização de campanhas de vacinação e de imunização, a execução de serviços de saneamento básico, a coleta regular de lixo e a prestação de todos os demais serviços públicos essenciais que dependem do acesso viário.

"A população dessas áreas, em sua imensa maioria composta por pessoas pretas, de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social, vê-se refém de grupos armados que impõem suas próprias regras. O Estado, impedido de adentrar, torna-se ausente. Os moradores perdem o direito elementar de viver sob a proteção das instituições e passam a submeter-se ao poder paralelo exercido pelas facções criminosas, que sequestram grande parcela dos moradores da capital pessoense", afirma Ricardo Lins.

Estruturas de poder paralelas e violação de direitos fundamentais

Nessas comunidades sob domínio territorial das facções criminosas, instalam-se estruturas de poder paralelas que substituem integralmente a autoridade estatal. Surgem os chamados "tribunais do crime", nos quais lideranças faccionadas julgam, condenam e executam penas — inclusive a pena de morte — contra moradores acusados de infrações às regras impostas pela organização criminosa. Esses julgamentos sumários ocorrem sem qualquer garantia de defesa, contraditório ou devido processo legal.

Os moradores são submetidos a extorsões sistemáticas. A obtenção de serviços essenciais, como fornecimento de água e gás, passa a depender do pagamento de "taxas" impostas pela facção dominante. Comerciantes locais são obrigados a pagar quantias periódicas para continuar operando seus estabelecimentos. Moradores que desejam realizar reformas em suas residências, promover festas ou até mesmo receber visitas de pessoas externas à comunidade precisam solicitar autorização aos criminosos.

A circulação de pessoas dentro e fora da comunidade também é controlada. Moradores são abordados por integrantes da facção, interrogados sobre seus destinos e submetidos a revistas. Aqueles identificados como "inimigos" são impedidos de entrar ou ameaçados de morte. A livre circulação, direito fundamental garantido pela Constituição Federal, deixa de existir.

Crianças e adolescentes crescem em ambiente de normalização da criminalidade. Desde cedo, são expostos à presença ostensiva de homens armados, ao tráfico de drogas, à prática de homicídios e à ausência de autoridades estatais. Muitos são cooptados pelas facções, que oferecem dinheiro, status e proteção em troca de serviços como transporte de drogas, atuação como "olheiros" ou até mesmo participação direta em confrontos armados. A dominação territorial do crime organizado produz gerações inteiras privadas de perspectivas legítimas de vida, aprisionadas em ciclos de violência e criminalidade.

Dano institucional e afronta à soberania estatal

O prejuízo ao Estado também é considerável. A destruição do calçamento público — patrimônio de todos os cidadãos — exige a mobilização de recursos públicos escassos para reparação. Mais grave ainda é o dano institucional: a impossibilidade de exercer suas funções constitucionais em parcelas do território nacional representa afronta direta à soberania estatal e ao princípio basilar de que o monopólio do uso legítimo da força pertence ao Estado.

"A persistência de áreas sob domínio de facções criminosas configura ruptura inaceitável da ordem constitucional, incompatível com os fundamentos da República", enfatiza a denúncia ministerial.

Lição do Rio de Janeiro e resposta da Paraíba

A experiência de outros estados brasileiros, notadamente o Rio de Janeiro, demonstra as consequências devastadoras da omissão estatal diante do avanço territorial do crime organizado. Comunidades inteiras foram perdidas para o controle de facções armadas. Milícias e grupos criminosos consolidaram domínio sobre extensas regiões, submetendo centenas de milhares de cidadãos a regimes de terror e extorsão. O Estado, ao perder o controle territorial, viu-se obrigado a empreender operações militarizadas de alto custo humano e financeiro para tentar retomar áreas que jamais deveriam ter sido abandonadas.

"O Estado da Paraíba não pode permitir que seu território siga o mesmo caminho. A resposta estatal à prática de barricadas e à dominação territorial exercida por facções criminosas deve ser firme, imediata e proporcional à gravidade da ameaça que representam. Cada barricada reaberta, cada área entrincheirada, cada comunidade isolada do Estado constitui passo na direção da perda irreversível do controle territorial", conclui o Promotor de Justiça Ricardo Alex Almeida Lins.

Não cabimento de acordo de não persecução penal

A denúncia ministerial destaca que a gravidade concreta da conduta praticada — consistente na reabertura deliberada de barricadas destinadas a impedir o acesso de viaturas policiais e demais serviços públicos a comunidades inteiras — revela, por si só, a inadequação da medida despenalizadora prevista no artigo 28-A do Código de Processo Penal (Acordo de Não Persecução Penal), ressaltando veementemente o MPPB o não cabimento de qualquer medida despenalizadora para faccionados de organizações criminosas.

"O fenômeno das barricadas constitui instrumento central da expansão territorial do crime organizado no Brasil. Por meio dessa prática, facções criminosas submetem extensas áreas urbanas — e, consequentemente, suas populações — ao domínio armado privado, sequestrando parcelas do território nacional e impedindo a presença do Estado", sustenta a denúncia.

O MPPB ressalta que a reabertura de valas no calçamento público não configura mero ato de vandalismo, mas conduta estratégica que visa consolidar e perpetuar o controle territorial exercido por organizações criminosas, blindando áreas inteiras contra a intervenção estatal.

A denúncia requer que o acusado seja condenado ao pagamento de indenização por danos materiais, morais individuais e coletivos, estes últimos fixados em valor não inferior a 20 salários-mínimos, a serem revertidos ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor ou fundo similar que atenda ao interesse coletivo lesado.

Fonte: Ascom

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