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ética

Pode alguém não ter ética? – Alexandre Lyra

Governos e deputados eleitos pelo mundo ocidental dão mostras das possibilidades de involução, propondo medidas intolerantes de inspiração neofascista

Por Alexandre Lyra • Política

26/05/2025 às 14:34

Imagem Na era moderna, as sociedades ocidentais passaram a se pautar, após toda uma transição conflituosa

Na era moderna, as sociedades ocidentais passaram a se pautar, após toda uma transição conflituosa ‧ Foto: Divulgacão

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Moral e ética costumam ser usados com o mesmo sentido no cotidiano, e elas são irmanadas em sua origem, pois ambas palavras, uma grega (ética) e outra latina (moral), têm o mesmo sentido original inicial, a conduta humana, que define os hábitos e costumes a partir do que é tido por certo ou errado no convício social. Pode-se discutir acerca da existência de alguns poucos princípios universais da moralidade humana, mas o certo é que moral é algo essencialmente social e, consequentemente, histórico. Ela diz respeito a implicações da conduta de alguém em terceiros, pois isoladamente a pessoa faz o que quer e não tem restrições, pode escolher qualquer regra para si, inclusive nenhuma. Assim, sendo social, a moral muda de tempos em tempos, pouco ou muito, porém é importante lembrar que a humanidade esteve no passado, na maioria das vezes, submetida a regimes autoritários, restando poucas escolhas morais às pessoas. Isso muda na era moderna.

Na era moderna, as sociedades ocidentais passaram a se pautar, após toda uma transição conflituosa, pela liberdade, deixando para trás a tradição autoritária monárquica (que eventualmente pode ser mantida simbolicamente). No ensejo das discussões teóricas diversas desenvolvidas nessa época, a ética se separou da moral, passando a significar as reflexões e estudos acerca da moral, contemplando exercícios que passaram a fazer parte da rotina dos cidadãos no novo sistema, afinal agora havia a possibilidade de se conviver com morais distintas e mesmo rever princípios morais, desde que fossem respeitados os princípios maiores do Estado democrático de direito. Isso não fazia sentido na grande maioria dos sistemas sociais anteriores.

Moral é inerente ao ser social, e portanto, todos têm moral, a não ser que seja criança, adolescente (pessoa em formação), ou haja alguma enfermidade psiquiátrica grave ou demência envolvida que limite a capacidade de discernimento. Logicamente poderia se concluir que também a ética é para todos, entretanto, não é bem assim. Considerando o entendimento específico da ética como zona de reflexão sobre a moral adotada e possiblidades alternativas de princípios morais, é preciso estar aberto a novas perspectivas morais para se enquadrar como ser ético. No ocidente moderno isto seria o padrão, pois ele é baseado na relativa flexibilidade moral que permite avanços de parâmetros ao longo do tempo, ainda que processos de transição moral, sendo complicados, complexos, muitas vezes são tensos e de longo prazo. Sempre deveria ser assim nas sociedades modernas, mas nem sempre há flexibilidade moral.

A rigidez moral é característica de sociedade fundamentalistas, onde não se pode sair da cartilha (geralmente ligada à religião), senão é alvo de rigorosas punições. É certo que é delicada a convivência de crenças, hábitos e tendências políticas diversas, mas é isso que o Estado de direito propõe. Populações que não entendem isso carregam princípios e costumes medievais ou ancestrais em suas concepções de mundo (conscientemente ou não). É isso que ocorre quando há predominância do neofascismo, que reaviva práticas de intolerância como resposta simplória a movimentos demográficos e econômicos recentes. O descontentamento com os rumos da sociedade e da economia podem ser reavaliados e discutidos por meio de instrumentos institucionais internos do Estado de direito, sem necessidade de rompimento do sistema, que provocaria regressão histórica com danos incalculáveis para a ordem social, política e econômica. As instituições modernas não são perfeitas, podem e devem ser aperfeiçoadas.

Governos e deputados eleitos pelo mundo ocidental dão mostras das possibilidades de involução, propondo medidas intolerantes de inspiração neofascista. Particularmente Trump, quando não aceita resultado de eleições e incita seus seguidores a invadir o congresso, quando resolve expulsar estudantes estrangeiros de universidades ou taxar todos parceiros comerciais, enfrentando os princípios institucionais que sustentam a era democrática moderna. Se vende como empresário, mas é essencialmente medieval no trato com a sociedade e com a economia.

Assim, pode-se dizer que os neofascistas têm apenas moral, como todos têm, inclusive mafiosos ou prisioneiros nos presídios, mas são desprovidos de ética, uma vez que não têm a capacidade de reflexão, são inflexíveis, estão imbuídos da construção de um projeto social abertamente excludente e autoritário em relação a alguns segmentos sociais, ou mesmo de países. Um projeto que recupera o ordenamento arbitrário e joga fora todo um longo processo de amadurecimento e evolução social conquistado a duras penas pela civilização ocidental. Esses seres não são passíveis de convencimento, não estão abertos ao diálogo, eles têm que ser forçados a se enquadrar na moral e na ordem democrática, com a possibilidade da aplicação do legítimo processo penal e a condenação caso insistam em permanecer com suas práticas de distorção da verdade para atingir intolerância política e social. Quem sabe cumprindo uma pena, entendam que foram condenados pela ordem social que lhes gestou e aprendam a refletir sobre sua equivocada moral, recuperando alguma noção de ética que um dia havia naquela mente.

*Doutor em Economia, professor titular da Universidade Federal da Paraíba
 

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