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Tarifaço: fundamentação teórica diz tudo   - por: Alexandre Lyra

O tarifaço, contudo, em última instância, tem uma base teórica, mas não no nosso mundo contemporâneo

Por Alexandre Lyra • Política

19/05/2025 às 17:59

Imagem Donald Trump, presidente USA

Donald Trump, presidente USA ‧ Foto: Getty - Imagem

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O tarifaço de Trump foi alardeado e enfim cumprido a alguns dias. Os operadores do mercado tinham esperança que fosse blefe, mas não foi. Ou teria sido? Dias depois, o fake man começou a rever a maior parte das taxas impostas aos parceiros comerciais, aceitando negociações com todos países envolvidos. Bravata, no mínimo, típico dessa fórmula arrogante e briguenta de fazer política que uma parte do eleitorado mundial teima em seguir, com perdas para todos lados. Alunos e conhecidos me abordavam para perguntar acerca das consequências e da fundamentação teórica dessa modalidade fiscal alternativa irreverente, e eu tinha a resposta, mas para minha surpresa, uma professora e pesquisadora foi um pouco mais a fundo na busca de uma outra resposta.

A professora Tessa Morris-Suzuki ficou inquieta com as referências colocadas por Peter Navarro em suas falas e textos, tudo girava em torno de um dito Ron Vara, resolveu pesquisar esse nome na literatura especializada, e não achando nada significativo, fez uma investigação extra para saber quem era o sujeito. Navarro é, entre os auxiliares de Trump, o grande guru para adoção do tarifaço, então certamente estava diante do teórico que dava suporte à controversa tese, mas eis que sua pesquisa revelou se tratar de ‘ghost researcher’, ou seja, um estudioso falso, o que, no fim, revelou apenas coerência em relação à concepção metodológica dos trabalhos dessa facção política. Sem nenhum nome que amparasse as ideias, criaram um. Ela descobriu que Ron Vara era uma remontagem do nome de Navarro, o idealizador do inexistente estudioso para poder dizer que havia alguma base teórica para medidas disparatadas daquela natureza. Inexistia, portanto, qualquer fundamentação teórica para o tarifaço.

Não deixa de impressionar como essas pessoas não se preocupam em se expor, em serem julgadas pelo que são: ridículas e irresponsáveis. Não temem isso porque sabem que há, ainda, um contingente significativo de pessoas que só escutam o que eles próprios falam, estão com ouvidos tampados e olhos vendados para a verdade. Feitos os macaquinhos, mas sem sapiência nenhuma, negam o terceiro, calado, e desembestam a vociferar. Mas essas mentiras vão desgastando pouco a pouco os persistentes e ainda resignados adeptos da ultradireita. Água mole, pedra dura...

O tarifaço, contudo, em última instância, tem uma base teórica, mas não no nosso mundo contemporâneo, tem uma fundamentação arcaica do século XVI: a política econômica preconizada pelos mercantilistas. Apenas os mercantilistas, da fase pré-científica da economia, defendiam taxação pura e simples às mercadorias importadas como único meio para alcançar a riqueza por meio do superávit comercial, e foram superados justamente pela primeira escola reconhecidamente científica da economia; a liberal clássica.

Numa época em que o comércio era a grande atividade econômica, os mercantilistas acreditavam piamente que o enriquecimento de um país só poderia acontecer às custas de perdas para seu parceiro comercial, e os liberais vieram para desmentir isso, propondo o comércio internacional como via de crescimento econômico para todos países envolvidos, a partir de uma concepção fundamentada metodologicamente. Depois vieram críticos para afirmar que as bases da teoria clássica do comércio internacional desconsideravam o descompasso histórico dos países periféricos, que não permitiu o desenvolvimento da indústria nesses lugares, e que assim não iriam ganhar com as vantagens comparativas, mas aí já é outro capítulo teórico, com discussões acadêmicas devidamente embasadas.

Na economia contemporânea é corrente a prática de taxações diversas, embora os agentes liberais fiquem um pouco contrariados. Sempre há algum protecionismo, mas sem sobressaltos, são consolidados, as taxas são históricas e marginais. Hoje em dia os mercantilistas são citados apenas em cursos de história do pensamento econômico e nenhum economista os adota como referência, porque todos sabem que suas teses são embrionárias e datadas, impraticáveis no complexo mercado do presente século... Até que pessoas mal intencionadas e criativas resolvam exumá-los, tirando do sossego de seus caixões para assombrar o mundo... mas sem citações para não passar vergonha...
 
 
 *Doutor em Economia, professor titular da Universidade Federal da Paraíba.

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