07/05/2025 às 19:50
A corrupção tem várias facetas e a governamental ‧ Foto: PeopleImages by Getty
Há temas e temas. Uns mais tranquilos, outros mais espinhosos. Anos atrás havia mais temas discutidos entre os brasileiros, mesmo sobre futebol e religião se conversava, na atualidade parece que o cardápio de assuntos tem diminuído para se evitar confrontos desgastantes. Não vou discutir aqui a falta de discussão política, por exemplo, herança dos tempos autoritários, um equívoco consensual que emperra o avanço da cultura democrática, mas de um outro tabu, um dos totens centrais dos liberais para arrebanhar adeptos em todo mundo: a corrupção. Mais uma vez temos um escândalo no âmbito do INSS e essa é uma boa oportunidade para discutir esse tema recorrente no país.
Quero tratar mais especificamente da indefectível concepção de que o Estado é corrupto. Sempre este ponto está na pauta liberal e vários governos desse campo político foram eleitos enfatizando essa crítica a algum governo anterior. Ressaltando que o importante é ter instituições que punam os desvios, obviamente não se quer negar que a corrupção pode entrar por caminhos diversos em governos de qualquer lugar do mundo, afinal governos podem ser corruptos porque o homem pode se corromper.
Quero lembrar que estamos falando de algo maior, de um capítulo da moral humana. Os homens são guiados por buscas materiais e imateriais para preencher sua existência fugaz e algumas delas são mais importantes. Mandeville bate o martelo em torno da avareza, a procura da melhoria material como vicio que norteia a maior parte do tempo de vida das pessoas porque só ele viabiliza os outros caprichos mundanos, como requintes gastronômicos, aquisições de equipamentos caros ou construção de casas maiores e mais amplas. Há outras leituras acerca da questão econômica, mas não se pode contestar a relevância dessa dimensão frente às demais. Daí segue a essência do problema da corrupção.
É preciso voltar a esse tema pelo conceito, e no Brasil sua acepção de apropriação de recursos públicos por agentes privados desvirtuados é quase consensual, no entanto, a corrupção é sempre uma possibilidade quando há riqueza envolvida, ou a falta dela. Alguém pode se corromper por escassez, excesso de recursos materiais, ou mesmo para obtenção de alguma vantagem esporádica. As tentações estão colocadas no dia a dia e havendo o provimento das necessidades cotidianas, o ser equilibrado, governado por princípios virtuosos, não deve capitular facilmente. Nas sociedades modernas, porém, a riqueza é mais abundante e cristalizada na forma de dinheiro, atiçando o desejo de incautos e espertos mais frequentemente. O que está por trás da corrupção é a questão moral central de ordem econômica: o que a pessoa está disposta a fazer para ganhar dinheiro? Até que ponto se mantém uma linha moral na busca pela garantia de boas condições materiais de vida? O ser tem um preço?
A corrupção tem várias facetas e a governamental é apenas uma delas, e num sistema de mercado, ela geralmente parte de interesses privados, desvirtuando agentes públicos, ainda que esses também possam ter iniciativas corruptas. Em sociedades como a brasileira, onde o patrimonialismo e o apadrinhamento forjaram um grupo social elitista, o Estado se confunde com as elites e o público se mistura com o privado, compondo um todo disforme, dissonante em relação aos princípios das sociedades liberais modernas, que prevê a separação dessas esferas e seus distintos interesses. Nesse contexto, o Estado vai ser cenário preferencial para manifestação do problema, mas não é assim em países centrais.
Não faz muito tempo tivemos uma demonstração cabal de que a corrupção pode se manifestar apenas no meio privado: a crise de 2008. Em 2008 os EUA e outros países centrais entraram em crise profunda, com repercussões sociais severas devido à desregulamentação que avançou nos anos anteriores em virtude do avanço das teses mais liberais nas economias a partir da década de 1990.
A corrupção dos agentes privados foi evidenciada e reconhecida como fator principal da crise por matérias jornalísticas e em trabalhos acadêmicos diversos, que destacaram seu caráter predatório, desenvolvido em razão do contexto histórico específico. Grandes executivos e operadores do mercado financeiro se dobraram em cadeia a formas deturpadas de ganhar dinheiro, prejudicando valores fundamentais do próprio mercado e lesando milhares de pessoas mais fragilizadas. Uma depravação econômica.
Há outros exemplos históricos, mas a crise de 2008 é a mais recente e, como tal, está muito bem documentada, de maneira que basta sua menção. Quem quiser pode procurar documentários na net, há bons disponíveis gratuitamente, só alerto que o entendimento pode não ser muito tranquilo porque envolve conceitos diversos complexos relacionados a papéis financeiros criados com o objetivo justamente ludibriar clientes. Ela é um marco, mas não é muito citada nas discussões políticas e na mídia. Querem preservar o mercado? Que mercado querem preservar? Nesse estágio de evolução da humanidade e do capitalismo não faz sentido defender mercados desregulamentados. É pura má fé. Se querem mercado, temos que construir um mercado que contemple as necessidades da sociedade, e, portanto, tem que ter parâmetros morais claros, com regras que levem a uma sociedade mais rigorosa para com abusos econômicos. E no mais, apaguem essa associação tosca entre governo e corrupção.
*Doutor em Economia, professor titular da Universidade Federal da Paraíba.
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