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Cidadãos imaginários passeiam em praças reais...      Por: Alexandre Lyra

João Pessoa, uma capital de Estado, contava com apenas três praças principais estruturadas, duas menores e situadas no centro, o ponto de cem réis e o pavilhão do chá

Por Alexandre Lyra • Política

30/06/2025 às 15:37

Imagem Pavilhão do Chá, Centro de João Pessoa

Pavilhão do Chá, Centro de João Pessoa ‧ Foto: Gilberto Firmino - Prefeitura

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João Pessoa nem sempre foi essa cidade tão desejada por tantos brasileiros de todas regiões do país. Por muito tempo ela se assemelhava mais ao patinho feio da estória, apenas uma recatada e tímida cidade rodeada por duas outras capitais mais formosas, com seus atrativos comerciais ou turísticos (uma de mais tradição histórica, Recife, e outra de despontar mais recente, Natal). Ocorre que, depois de muito tempo, a capital da Paraíba desabrocha e se torna a nova onda nordestina, admirada por todos em razão de sua relativa tranquilidade, custo de vida um pouco menor que a vizinhança, uma mobilidade razoável (perdida), entre outros aspectos geográficos e climáticos. Hoje, poucos atentam para o momento da transformação, ou melhor, para o processo que decorreu para que houvesse o salto qualitativo que a fez mudar de patamar, fazendo iniciar um fluxo migratório que mudou a composição dos moradores da cidade (conforme o Censo, foram 110 mil habitantes a mais entre 2010 e 2022).
         
Como a maioria das cidades brasileiras, João Pessoa foi administrada por muito tempo por prefeitos conservadores que aliavam uma concepção rasa de urbanismo com a cômoda posição liberal de não intervir na sociedade e na economia. Sempre há exceções, como Jaime Lerner, célebre prefeito de Curitiba, mas até esse ponto a capital tinha o menos ruim, pois a isso poderia ser adicionada a corrupção como prática, se estabelecendo o pior dos mundos. O plano geral era esse, e assim João Pessoa nunca mudava muito, ia se consolidando como a cidade tranquila, ideal para aposentados, ou para quem quisesse apenas descansar. Isso até a metade dos anos 2000, quando há uma virada na concepção de gestão pública municipal com a entrada do socialista Ricardo Coutinho, quebrando a sequência das alianças entre partidos de centro/direita que escolhiam e elegiam nomes ligados a famílias tradicionais para administrar a cidade de forma excludente, desprezando a maioria da população ao relegar diversas atribuições básicas da gestão municipal.
         
A gestão socialista de Coutinho fez diversas mudanças significativas, entre as quais se destaca a introdução do orçamento participativo e a criação/reforma geral de praças no município. Infelizmente uma década e meia depois, já como governador, Coutinho meteu os pés pelas mãos ao se juntar à cruz vermelha na terceirização da saúde, arranhando sua credibilidade a ponto de perder eleitores que lhe garantiam vitória nas eleições que disputava. A possibilidade de uma gestão completamente diferente da mesmice aterradora da grande maioria dos prefeitos, entretanto, foi consolidada, e as praças são talvez a maior marca da mudança em termos de urbanidade.
         
João Pessoa, uma capital de Estado, contava com apenas três praças principais estruturadas, duas menores e situadas no centro, o ponto de cem réis e o pavilhão do chá, e outra um pouco mais adiante, fazendo a ligação do centro com a praia (via av. Epitácio Pessoa), a praça da independência. As demais eram arremedos de praça, havia os espaços, mas eram abandonadas até Ricardo começar a erguer efetivamente praças, em toda cidade, em todos bairros. É curioso constatar que nesse processo Ricardo ‘matou’ o ponto de cem réis, transformando essa antiga bela praça apenas num espaço para encontros, sem nada, apenas um pálido piso de tijolos modernos de concreto, sem árvores e com 2 ou 3 bancos. Não vou discutir as justificativas insuficientes disso (criar um espaço central para encontros políticos), mas efetivamente, só nesse caso, uma praça referencial não foi reformada e sim, eliminada.
         
As praças deram outros ares à capital, e só assim os nativos despertaram para esse elemento central de qualquer boa cidade. Não só os locais, como também os que começaram a migrar para a cidade, também por sua urbanidade, e aí é interessante ver liberais passeando pelas praças erguidas por algumas gestões socialistas (Coutinho passou a ser governador e elegeu sucessor), desfrutando de algo que não teria existido se tivesse continuidade a sequência de gestões liberais medíocres. 

Os liberais estão na crista da onda na atualidade, e muitos desses querem vir passear ou morar numa cidade que só se tornou o que é por causa de uma sequência de gestões participativas de esquerda preocupadas com a urbanidade, superando os diversos prefeitos liberais anteriores que não davam a menor importância ao caráter público da administração. Eles deveriam andar em barro ou areia, entre pedras, se desviando de galhos nos terreiros que existiam antes, para entender que toda aquela estrutura aprazível nem sempre esteve ali e poderia não estar se uma perspectiva distinta, inclusiva, não fosse adotada. 

Antes só podíamos imaginar uma praça, abstrata, e seguir adiante, agora temos a praça concreta com vários transeuntes/cidadãos abstratos, pessoas que não sabem exatamente o que é cidadania, com ideias e ideais abstratos e distorcidos de liberdade, desfrutando de um símbolo de gestões com concepções diametralmente opostas às suas.  Sabendo explorar problemas pontuais do gestor, os liberais retomaram a prefeitura, mas têm que se moldar, à sua maneira, a esse novo padrão para sobreviver politicamente. Os nomes de esquerda têm dificuldade de se eleger nesse novo contexto, mas o legado ficou, restando reestabelecer certos fatos, refrescando a conhecida combalida memória tupiniquim; até porque a essência das concepções se mantém e se manifestam de outras formas.
 
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
 

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