23/06/2025 às 13:37
Banco Central do Brasil ‧ Foto: Agencia Brasil
Em consonância com a época junina, o Banco central brasileiro também quis aproveitar os festejos e soltar seus fogos, jogando os juros nas alturas. Seria bom se fosse brincadeira junina, mas trata-se de manobra muito séria, pois suas medidas são importantes para toda economia.
O mercado trabalhava com uma estabilização dos elevados juros, mas o bacen surpreendeu muitos ao anunciar um aumento da Selic. Não estava alto o bastante? As razões para isso estão todas lá na ata do bacen ( https://www.bcb.gov.br/publicacoes/atascopom ), mas é leitura técnica, árida, ou mesmo inacessível aos não iniciados em estudos econômicos. Quanto a isso, tudo bem, jargões e complexidade todas áreas de conhecimento têm um pouco, a questão é a essência da argumentação, seu viés monetarista e ortodoxo/liberal em excesso, focado essencialmente em fatores de curto prazo, ainda que isso só esteja explicitado em alguns pontos.
O bacen é a instituição governamental encarregada de monitorar as variáveis e os índices monetários e financeiros da economia, em especial a inflação. Ocorre que essas variáveis têm ligação direta com o lado real, produtivo, por isso elas tem ser contextualizadas ponderando seu alcance nesse âmbito, tanto que na constituição federal sua função central de procurar estabilizar a inflação está vinculada ao estímulo à atividade produtiva e à geração de emprego, o que é reforçado pela lei que lhe deu autonomia ( https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp179.htm ). Esta dimensão maior historicamente não é atendida pelo bacen, que tem se pautado por análises técnicas muito próximas às análises de mercado para tomar suas decisões.
Como órgão do governo/Estado, o bacen poderia ter uma perspectiva crítica e estruturante, mas isso só poderia existir com mudança da orientação da política econômica em geral, que também precisaria colocar óculos para vislumbrar outros caminhos de políticas industrializantes, regionais, e de fomento à produção de tecnologia local principalmente. São vários instrumentos conectados que ficam mancos se operados separadamente.
Alguém invocaria a independência do banco central, mas essa independência é para alcançar seus objetivos de forma integral, o que pede cooperação com os outros órgãos do governo responsáveis pelas demais políticas econômicas. Ele não pode ser contaminado por políticas equivocadas, destrutivas, essa é a justificativa da blindagem (que é discutível), mas ele pode e deve colaborar com políticas econômicas consistentes. A independência do bacen, aliás, está a serviço, sobretudo, à independência política e econômica do país e não à subserviência a grandes empresas do setor financeiro dominantes no mercado. Uma política monetária de mair amplitude deveria começar com medidas para democratizar o setor financeiro, diminuindo a concentração de capital no lado da oferta.
A alta de juros presente guarda coerência com a análise técnica, o que tem de mudar é a perspectiva da análise, que é restrita, limitada do ponto de vista teórico e de alcance histórico, geopolítico e estrutural. O viés da teoria ortodoxa vê como difícil a conciliação das metas econômicas da inflação e nível de emprego, pendendo para a concepção de inflação de demanda, que diminuiu muito de importância frente à oligopolização das economias a partir da década de 1970, quando isto foi escancarado pela criação da OPEP, que elevou os preços de petróleo e fez disparar a inflação no mundo. Na década seguinte a financeirização da economia, que já era relevante, se estende e passa a entravar decisivamente processos de desenvolvimento econômico em vários espaços periféricos, com súbita elevação unilateral de juros. Essas variáveis aparecem apenas de maneira implícita e distante nos relatórios, mesmo sendo centrais.
É estranho ver um governo autodenominado de esquerda conduzindo políticas econômicas tão limitadas e de caráter recessivo. O banco central brasileiro, que tem competente corpo técnico de funcionários, é comandado por uma maioria indicada pelo governo petista que se revela tímida, inibida pelo avanço de liberalismos e falsos protecionismos de extrema direita. Movimentos como esse fazem o país continuar perdendo a partida de xadrez que se desenrola na economia mundial. Parece que só visualizam a jogada em si, quando se trata de um jogo de estratégia e de longo prazo. Em verdade eles sabem o que fazem, quem está míope é a sociedade brasileira que conduz essas políticas, em última instância, quando elege os governos que indicam as equipes econômicas responsáveis por elas e se preocupam mais com sua programação junina e outras distrações, como se estivesse tudo normal nos terreiros tupiniquins.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
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