22/07/2025 às 08:27
Partidos políticos fazem parte da estrutura republicana e devem sintetizar as principais concepções sociais da população ‧ Foto: divulgação
Por onde andam os socialistas? E os sociais democratas? Não faz muito tempo esses partidos eram importantes no Brasil, um chegou a ser referência nacional e o outro uma promessa que não chegou a se concretizar. Ambos eram vertentes de esquerda, o primeiro mais ao centro e o segundo um pouco mais distante desse, e surgiram sintonizados com anseios populares de um horizonte mais justo socioeconomicamente, mas com o tempo foram se descaracterizando, ocupados por liberais e mudando para o outro lado do espectro político.
Partidos políticos fazem parte da estrutura republicana e devem sintetizar as principais concepções sociais da população, abarcando as diversas possibilidades políticas, mais à esquerda ou mais à direita, oferecendo à sociedade alternativas de projetos que são testados para serem rejeitados ou reafirmados periodicamente em processos eleitorais. São várias as pautas que podem ser enfatizadas, porém todos devem ter o sistema democrático moderno como referência para a discussão das ideias, o que impõe limites a pretensões autoritárias. A quantidade de partidos pode variar em razão da necessidade maior ou menor de detalhamento dessas pautas, ainda que a questão central seja o alinhamento mais à direita (capital) ou à esquerda (trabalhadores), mas sua existência deve estar vinculada à defesa das ideias propaladas. Alguma tensão entre eles é normal, haja vista a diferença de ideias, mas aqui as coisas são um pouco diferentes.
Ocorre que no Brasil, como em alguns outros países de histórico autoritário, os partidos têm sido criados com objetivos mais específicos que prejudicam sua função original. Pela direita, para atender a interesses pessoais/oligárquicos, amparando a manutenção do poder político e econômico de famílias tradicionais e da estrutura socioeconômica precária, e pela esquerda para comportar a desunião dos ‘progressistas’, suas vaidades e projetos pessoais, na medida em que, por mais complexidade que alguma concepção de cunho humanista/social tenha, não justifica tanta divergência política, uma vez que há uma causa maior (os trabalhadores) em questão, que exige desprendimento das lideranças.
As divisões entre os partidos têm motivos distintos, pois à esquerda é de ordem ideológica, e à direita é de ordem fisiológica, mas ambas são nocivas ao desenvolvimento do país, já que ambas dificultam a construção de projetos de nação. Registre-se que essa conclusão, contudo, só é válida concretamente para a direita, posta a insignificância numérica da esquerda raiz no país, ou seja, é apenas hipotética nesse lado. Neste sentido, as siglas mais à esquerda são mais consistentes e bem mais duradouras, enquanto à direita mudam as nomenclaturas de tempos e tempos, em metaformoses artificiais, para acomodar mais interessados em abocanhar uma fatia maior de poder e de orçamento público, aparecendo daí o bloco já histórico conhecido como ‘centrão’, que na verdade é de direita fisiológica. É nesse processo que se insere esse desmembramento mais específico da descaracterização dos partidos de centro esquerda, sendo engolidos pelo avanço desse falso centro oligárquico.
O partido da social democracia brasileira surgiu pouco depois da redemocratização a partir da iniciativa de algumas lideranças como Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Tasso Jereissati, Mário covas, entre outros, com a ideia de ser um partido sintonizado com as concepções de gestão modernas, inspirado nos países centrais, ser um partido republicano avançado, sintonizado com seu tempo, com novas pautas do século XX. Sua queda começou quando Fernando Henrique deixou a presidência e se acentuou com a chegada do bolsonarismo, que esvaziou o partido, inicialmente corrompendo seu conteúdo dentro das próprias fileiras e depois com a desfiliação de membros. Parece que os tempos contemporâneos não dialogam bem com a ideia do caminho de centro/esquerda, mas o problema foi que não entregaram essa alternativa que prometeram, que exigia maiores e melhores oportunidades para as camadas sociais inferiores. Quando a realidade é ruim, se exige mudanças efetivas e não superficiais.
O fato dele não ter continuado avançando não é exclusividade dele, embora o partido socialista brasileiro tenha outro perfil, incialmente mais comprometido com a classe trabalhadora, também não entendeu muito bem as transformações mais recentes, nem a necessidade da maior rapidez nas mudanças. O curioso é que esse é um problema das esquerdas locais, pois em países como Uruguai e México, com toda dificuldade, encontram meios (e medidas) para continuar sintonizados com a população. O que falta aqui?
Falta iniciativa, perder essa ‘timidez’ diante do predomínio de um liberalismo reinante. Em todo mundo o ideário liberal tem crescido em decorrência do fracasso do socialismo no leste europeu, mas em alguns países há resistência e reação, noutros não. A proposta liberal só pode continuar fazendo sentido se puder captar ao menos uma parte do imaginário popular, mas ela avança diminuindo os espaços dos segmentos inferires da população, bem como os salários, sobrando campo para a afirmação de causas populares, sociais. Para além do prejuízo do conceito, uma vez que gera confusão nas pessoas, a descaracterização de partidos de viés socialista revela a fragilidade do ideal social democrata no país, que pode ser visto também na disputa maior entre o pt e a união centrão/liberais. De tanto ceder aos interesses do centrão, o pt acaba se confundindo com eles. É preciso deixar esse jogo utilitarista/fisiológico, e para isso é necessário chamar a população para o jogo correto; o da discussão de projetos de sociedade, afinal não me parece que alguém esteja satisfeito com a sociedade desigual que temos. Tirando os poucos que se beneficiam com ela.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
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