30/05/2025 às 14:03
Impostos federais ‧ Foto: Divulgacão
A confederação nacional dos dirigentes lojistas promove anualmente o ‘dia livre de impostos’ para chamar atenção da alta tributação no país, conclamando seus associados a vender suas mercadorias sem impostos nesse dia (que no corrente ano foi 29/05). A ação tem algo de pedagógico, pois prevê a exposição do montante de impostos embutidos no preço dos itens adquiridos. As pessoas têm uma propensão a simpatizar com a pauta da redução da carga tributária, afinal ninguém gosta de pagar imposto, mas se é para ser pedagógico, entretanto, temos que procurar mais explicações para o problema e não deixar subentendido que o Estado poderia simplesmente abaixar os impostos e não o faz porque não é liberal e quer sustentar todo um aparato estatal ineficiente e corrupto. Seria muito bom se fosse só isso, mas não é assim. Sem esgotar o tema, apontemos algumas conexões adicionais importantes.
Para abordar a questão, temos que fazer comparações internacionais, ficando melhor recorrer a indicadores relativos. A primeira relação que devemos observar é a carga tributária como proporção do PIB nas 10 maiores economias mundiais, grupo em que o Brasil geralmente tem comparecido nas últimas posições nas últimas décadas. Conforme texto da UNICAMP (https://www.blogs.unicamp.br/sobreeconomia/2022/05/02/o-brasil-tem-a-maior-carga-tributaria-do-mundo/), nesse agrupamento mais seleto, os impostos variam entre cerca de 25% (EUA) a 42% (França), à exceção da China e da Índia, que cobram bem menos impostos (algo em torno de 15%). Se retirarmos China, Índia e os EUA, Brasil e o Canadá exibem os menores indicadores do grupo (na faixa dos 33%). Ainda segundo a mesma fonte, mesmo se considerarmos todos países da OCDE, o Brasil estaria na décima oitava posição no indicador avaliado e abaixo da média desse grupo maior de países. Numa primeira avaliação estaríamos bem em termos de carga tributária em relação à riqueza produzida.
Texto da Unicamp ressalta, contudo, que na problemática da tributação nacional é importante detalhar sobre quem recai a carga tributária, e aí verifica-se que o Brasil tributa muito os bens e serviços, que todos pagam de forma igual, e tributa pouco a propriedade, a renda, os lucros e ganhos de capital, os seja, embora especificamente o imposto sobre a renda seja progressivo, o sistema como um todo tem essência regressiva, uma vez que, considerando todos impostos, os que ganham menos pagam mais em termos percentuais. Essa conclusão do artigo também é lastreada em comparações internacionais, mas é necessário ir além e explorar algo crucial nessa discussão: o retorno socioeconômico dos impostos.
Cargas tributárias mais elevadas são compensadas por maior presença do Estado na economia, proporcionando mais gastos em educação, saúde, previdência, infraestrutura, ou promovendo o desenvolvimento econômico. O problema central, portanto, não é ter baixo volume de impostos, mas sim existir uma certa correspondência entre gastos e receitas, e este é o problema do Brasil, que tem percentual de impostos mais próximos de países desenvolvidos e muitos serviços governamentais equiparados aos de países periféricos. Essa dualidade é marca de países periféricos, e isso acontece principalmente devido ao elevado montante dos juros e amortizações da dívida pagos pelo governo, que suga grande parte dos recursos do orçamento público. Pagamento de juro não retorna para a sociedade, vai para o bolso dos capitais financeiros.
A dívida pública é estoque dos empréstimos contraídos pelo governo, e é paga via amortizações e juros correntes. Todos governos, como as pessoas, pedem empréstimo em algum momento para viabilizar projetos diversos, a questão são suas condições e sua administração. Recentemente o banco central, através de seu comitê de política monetária (COPOM), entrou numa fase de aumento de juros, de modo que a SELIC ficou mais alta do que todos últimos 20 anos. Infelizmente isso é um detalhe, pois os juros no país têm sido recorrentemente muito elevados, a ponto de quase sempre colocar o país entre os três que praticam a maior taxa no mundo ( https://www.instagram.com/p/DDR6-C9uYC6/?img_index=1 ). Pelo menos desde a década de 1970 detemos as primeiras posições, antes devido à dívida externa e agora mais por causa da dívida interna. A internalização da dívida deveria ser boa porque poderíamos encaminhar sua solução administrando uma queda nos juros, mas, como visto, isso não ocorre. Agentes poderosos na economia, do setor financeiro, sempre encontram justificativas para a manutenção da alta, embora não haja razões objetivas. A dívida do país não é alta relativamente ao PIB (é próxima a 70%, quando nos países centrais supera 100%), seu ritmo de crescimento não é significativo, o governo tem histórico de bom pagador (desde a época da crise da dívida externa) e as reservas de divisas estão muito altas (entre outras).
A auditoria cidadã da dívida (https://auditoriacidada.org.br/) tem acompanhado a evolução dos gastos do governo com juros e amortizações, mostrando que essa é a maior rubrica de todas as contas, respondendo historicamente com patamares em torno de 45% da receita orçamentária, ou seja, quase metade do orçamento é dedicado ao pagamento de compromissos financeiros que são determinados em grande medida pela força política desses grupos, que têm muita influência no mercado e nos dirigentes do banco central, para fixar os juros muito acima da média mundial. A redução dessa rubrica, seja via política monetária ou renegociações com credores, possibilitaria uma grande folga orçamentária que permitiria diminuir os impostos cobrados e elevar gastos na saúde, educação, etc, mas enquanto a sociedade, os governos e nossos representantes legislativos forem permissivos com o poder do capital financeiro, não estarão colocando o interesse nacional em primeiro lugar e estaremos carreando rios de dinheiro para rentistas e investidores financeiros.
O governo tem todos meios de operacionalizar um enfrentamento, contando, inclusive, com um sistema bancário moderno liderado por duas empresas (uma pública, a Caixa Econômica e outra de economia mista, o Banco do Brasil) que auxiliam o governo na execução das políticas econômicas, e seriam decisivas caso as instituições financeiras privadas não quisessem colaborar com a nova diretriz da queda dos juros. Se querem reduzir impostos, então vamos à raiz do problema. Os maiores problemas dos países periféricos são estruturais e as soluções não são fáceis. O governo só vai fazer isso quando toda sociedade resolver comprar essa briga de cachorro grande. Nós somos vira-latas, mas de que tipo? Podemos rosnar e morder se quisermos defender nosso território como qualquer cão. É só mudar a atitude.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
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