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Fronteira Cerrado: ativistas querem bioma "igualado" à Amazônia

Rádio Agência

04/11/2025 às 08:00

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Enquanto o mundo se prepara para a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas (COP30) em Belém (PA), cientistas e ambientalistas clamam para que o Cerrado seja igualado em importância política à Floresta Amazônica, por causa do serviço que o bioma presta à sociedade. Chamado de “berços das águas”, ele abriga as nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas do Brasil. 

Pesquisas têm sustentado que o Cerrado é central para enfrentar as mudanças do clima pelo seu potencial de armazenar água. A estimativa é que 40% da água potável do país venha do bioma. E o desmatamento - impulsionado pelo agronegócio - estaria contribuindo para aprofundar a redução das vazões na região.

Essa é a segunda reportagem da série especial Fronteira Cerrado, da Radioagência Nacional, que investiga como o avanço do desmatamento no bioma, atrelado ao agronegócio, afeta os recursos hídricos do país. Todos os dias desta semana, confira um conteúdo novo pela manhã.

A pesquisa “Cerrado: o Elo Sagrado das Águas do Brasil”, publicada este ano, analisou as seis principais bacias hidrográficas do bioma. A Ambiental Media calculou que o Cerrado perdeu 27% da vazão mínima na média das seis bacias em comparação à década de 1970. Ou seja, o Cerrado perdeu o equivalente a 30 piscinas olímpicas de água a cada minuto. 

O estudo atribui o resultado a dois fatores principais: a mudança no uso do solo via desmatamento, responsável por 56% da redução dos rios, e as mudanças climáticas, com 44%.

O geólogo Yuri Salmona, um dos autores do estudo, estima que o Cerrado deve perder, até 2050, mais um terço de suas águas, o que terá impactos sobre todos os demais biomas.

“Podemos esperar um ambiente mais seco, com mais escassez e mais conflitos por água. Nossa matriz energética é baseada em hidrelétricas e a falta de água leva a falta de energia. Além disso, 80% da área irrigada do Brasil está dentro do Cerrado, sendo que 50% da água captada do Brasil é para agricultura e cerca de 11% para a pecuária”.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam que o Cerrado permanece como bioma mais prejudicado do país, bem à frente da Amazônia, embora tenha ocorrido redução de 11% do desmatamento entre agosto do ano passado e julho deste ano.

Ao mesmo tempo, enquanto o Código Florestal limita o desmatamento nas propriedades da Amazônia a 20%, no Cerrado, pode-se desmatar até 80% das áreas privadas.

Ouça e baixe a primeira reportagem da série Fronteira Cerrado: o coração hídrico do Brasil sob ameaça

Problema "invisível" e "complexo"

O governo federal reconhece que esse problema pode colocar em risco a segurança hídrica do Brasil. E isso mesmo com o controle total do desmatamento ilegal.

A diretora do Departamento de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Iara Bueno Giacomini, concorda que o problema é mais grave do que a população consegue perceber no cotidiano. 

“É difícil a gente falar a dimensão de uma coisa que a gente não vê. A maior parte da água do Cerrado está debaixo da terra. No reservatório da Cantareira, em São Paulo, todos sabemos o nível da água a cada dia. A gente não tem isso dos rios e aquíferos do Cerrado”.

Porém, o Executivo não trabalha, por enquanto, com uma possível revisão do Código Florestal para aumentar o nível de proteção do bioma. 

Iara antecipou que o governo trabalha em um decreto para regulamentar Áreas Prioritárias para Conservação de Águas do Cerrado, que devem criar uma nova categoria de preservação.

 “A gente não atingiu ainda um ponto de não retorno no Cerrado, ainda bem. Agora, a gente tem que ser realista, não tem solução simples para problema complexo. É preciso trabalhar a conscientização do agronegócio”. 

O governo federal também aposta em projetos para recuperar áreas degradas e aumentar a produtividade agrícola; e a criação de incentivos tributários e linhas de crédito mais vantajosas para produtores que conservem áreas além do exigido pela legislação.

Isabel Figueiredo, que coordena o Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), avalia que o MMA tem pouco espaço para reduzir o desmatamento, já que as autorizações para desmatar são uma atribuição dos estados. 

“Quem vai mudar o cenário são os governos estaduais. Mas as secretarias de meio ambiente, em geral, ao invés de cumprirem com a sua tarefa, estão como despachantes do agronegócio. Tá rolando muita concessão de autorizações de qualquer jeito”. 

O que diz o agro

Procuramos as principais organizações do agronegócio do país para comentar os estudos. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) não se manifestou sobre o tema, assim como a Associação Brasileira do Agronegócio e a das Indústrias Exportadoras de Carnes.  

Já a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) informou não reconhecer o estudo da Ambiental Media citado na reportagem e disse que o Poder Executivo é o responsável por políticas que protejam o Cerrado e garantam o desenvolvimento sustentável. 

Também em nota, a principal entidade de produtores de soja do Brasil, a Aprosoja, disse que é “contra o desmatamento que não esteja em concordância com as leis ambientais”.

 

 

*Com produção de Beatriz Evaristo e sonoplastia de Jailton Sodré

**A produção dessa série foi viabilizada a partir da Seleção de Reportagens Nádia Franco, iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que destinou R$ 200 mil para o custeio de conteúdos especiais produzidos por jornalistas da empresa.

***O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) custeou as passagens áreas da equipe até Imperatriz (MA).

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