23/06/2025 às 13:02
Um achado arqueológico em uma área de várzea, na pequena cidade de Fonte Boa, interior do Amazonas, a 680km da capital Manaus, pode revelar segredos sobre o modo de vida dos povos amazônicos. As novas evidências desafiam a antiga tese de que as várzeas dos rios amazônicos eram ocupadas apenas temporariamente, mas sugerem a presença contínua dessas áreas há séculos, talvez milhares de anos atrás.
Debaixo das raízes de uma árvore tombada, os moradores da região encontraram sete urnas funerárias enterradas a 40 centímetros de profundidade. Pesquisadores do Instituto Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, foram chamados e confirmaram que dentro de uma delas, havia fragmentos de ossos humanos e de peixes, o que dá indícios das práticas rituais e de alimentação.
As urnas têm características inéditas para a região. Foi identificado o uso de uma argila esverdeada - algo raro -, além de desenhos com traçados, sem associação até agora com a tradição conhecida sobre os povos ancestrais do Alto Solimões, conforme explica o arqueólogo Márcio Amaral.
"São vasos grandes. Geralmente as outras [urnas] são bem menores. São vasos grandes. Esse tem 90 centímetros de boca. Não encontramos tampa cerâmica, nem específica nem reaproveitada. Então é uma característica que indica que, provavelmente, havia uma tampa de origem orgânica que se decompôs. A forma do vaso também é um novo padrão que a gente pode relacionar a rituais funerários".
Tirar as urnas também deu trabalho. Por causa do terreno e do difícil acesso fluvial, as escavações foram feitas sobre uma estrutura de madeira e cipó, construída a mais de 3 metros do chão, explica o arqueólogo Márcio Amaral.
"Como os vasos estavam - estão ainda - cheios de sedimentos, um pesa em torno de 350 quilos e o outro 180 quilos. Isso estava a 18 quilômetros da margem do rio Solimões e a uma hora de caminhada para acessar o sítio. É uma arqueologia de dentro para fora a partir do conhecimento das populações e dos povos originários".
Com a ajuda dos moradores, as urnas foram levadas para análise, na cidade de Tefé (AM), em viagens de 10 a 12 horas em canoa, detalha a pesquisadora Geórgea Holanda.
"Seria impossível a gente realizar o trabalho sem essas pessoas porque elas nos levaram ao sítio, elas ajudarama retirar as urnas, o que foi uma logística muito complexa porque as urnas são muito pesadas. A maior, mais de 300 quilos. Eles fizeram toda uma estrutura pra colocar a urna, pra tirar ela do sítio arqueológico e fazer essa caminhada, quase uma hora para levar até essa canoa grande e depois de eu ter retornado para a cidade de Tefé."
Os artefatos encontrados estavam dentro de um sítio arqueológico formado por ilhas artificiais, que são espécies de aterros, feitos séculos atrás, em áreas alagáveis. Esses aterramentos tinham casas e podiam ter atividades sociais, mesmo durante a cheia dos rios. O estudo dessas ilhas vem sendo feito há mais de uma década pelo Instituto Mamirauá.
Segundo o arqueólogo Márcio Amaral, a engenharia indígena necessária para erguer nas áreas de várzea, com terra cavada das proximidades é muito sofisticada e dá uma ideia do quão grande era a densidade populacional, séculos atrás, na região de floresta do Alto Solimões.
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