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Sem medir a irresponsabilidade  - por: Alexandre Lyra  

Foi votado e aprovado na madrugada do dia 10/12/2025 a redução substancial da pena para crimes contra o Estado e suas instituições

Por Alexandre Lyra • Política

15/12/2025 às 09:27

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Imagem Camara dos deputados federais

Camara dos deputados federais ‧ Foto: douglas-gomes

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O presidente da câmara federal gosta de surpresas, mas só para pautas que favorecem seu grupo político, desrespeitando outros grupos sociais, princípios fundamentais da república e decisões judiciais. Assim, o paraibano tem apurado um método sorrateiro que envolve a definição da discussão e votação das pautas caras aos grupos com que se alinha, minando articulações contrárias. É uma forma de trabalho particular que se sustenta enquanto contar com o apoio de uma maioria de congressistas comprometidos com resultados a esse preço, mas as atitudes têm consequência e espera-se que elas apareçam em algum momento posterior.

Motta deixou para o fim desse ano de 2025 boa parte dessas matérias bomba, e particularmente para a semana que passou (8 a 12/12). Liberou para o plenário a votação de cassações pendentes, incluindo a do deputado Glauber Braga, absurda por sua desproporcionalidade (o motivo do processo foi a agressão física leve a um indivíduo que o provocou sistematicamente, até insultar sua mãe). Nesse caso deu para fazer uma articulação de última hora que trocou a cassação por uma suspenção de seis meses e o congresso se safou de cometer uma injustiça grandiosa por perseguição política, mas a deputada Carla Zambelli, que perseguiu um cidadão no meio da rua com uma arma de fogo, condenada, foragida e presa na Itália, foi absorvida, comprovando a distância desse congresso do maior fundamento moral da lei: a proporção entre crime e pena. Além disso, concretamente, desafia o poder judiciário, pois há uma determinação para a cassação de Zambelli (que deveria ser administrativa). Faltam os processos dos outros dois foragidos, réus da justiça brasileira, que ficaram para a próxima semana, mas o pior foi a votação do projeto da dosimetria.

 Foi votado e aprovado na madrugada do dia 10/12/2025 a redução substancial da pena para crimes contra o Estado e suas instituições. Os defensores incondicionais dos aumentos de pena e tratamento ríspido a criminosos mostraram explicitamente que quando se trata deles próprios, a posição é oposta. Os aliados políticos dos insurgentes/invasores/depredadores de janeiro queriam a anistia, ou seja, o perdão total dos crimes cometidos, mas como ficou demonstrado que isso era inconstitucional, acabaram aceitando o projeto de uma nova dosimetria (dosagem das penas tendo em vista a gravidade do crime) com redução substancial das penas. A impressa e a sociedade civil foram pegas de calças curtas pela colocação do tema em pauta no congresso e não conseguiram se mobilizar a tempo para conter esses retrocessos, mas manifestações já ocorreram no domingo seguinte. Deixando de lado o modus operandi oportunista, que já revela as intenções escusas desse grupo político, discutamos brevemente o projeto aprovado na câmara, que segue sua tramitação.

         Já disse em outro texto, quando do julgamento da tropa cívico-militar golpista, que considerava relativamente pequenas as penas previstas na legislação, mas eram as penas que o legislador deixou, então tínhamos que respeitar. Não é muito difícil deduzir o que penso sobre esse projeto, pois se antes defendia penas três vezes maior, agora então entramos para o campo do disparate, mas esse foi, por outro lado e infelizmente, previsível. O disparate é lógico porque com penas tão leves para crimes contra o Estado e o patrimônio público, temos uma sinalização clara do valor das instituições para a elite política dominante, estimulando atitudes depredatórias e golpistas em todas esferas dos poderes. Para ela, o Estado está aí para servir preferencialmente a ela, e de qualquer maneira.

         Infelizmente isso corresponde, em grande medida, ao reestabelecimento dos parâmetros históricos (em nível institucional), que tanto temos dificuldade de superar. Temos que reconhecer que o trabalho feito pelas oligarquias lá atrás, por décadas e séculos, foi muito bem feito, a ponto de ser muito difícil desconstruir. A tradição do país é de autoritarismo, repressão e opressão às classes mais baixas e aos contestadores da ordem colocada, com o Estado a serviço dos mandos e desmandos dos grupos dominantes, que podem quase tudo na medida em que passam impune às diversas ações ilícitas em que se envolvem. A impunidade que o projeto traz é apenas mais um capítulo da extensa lista de episódios, onde se contorna a lei ou são elaboradas leis apropriadas a infratores, em que muitos podem escapar das garras da justiça, mas especialmente as elites (há uma longa literatura especializada investigando isso até os dias de hoje).

         Devo lembrar também que, embora possa não parecer, há uma moral consistente por trás disso tudo. Todo grupo social tem princípios morais (basta ver a máfia), a questão é o todo social que se forma a partir da moral preponderante. Evidentemente, a sociedade que gira em torno de princípios desvirtuados não vai ser propriamente harmoniosa, e sim conflituosa, com elevada desconfiança generalizada que estimula uma proteção (blindagem) a familiares e aos mais chegados, predominando um nível de hipocrisia alto, já que seus valores principais não podem ser assumidos publicamente. Mandeville (meados de 1710) e Banfield (meados de 1950) já teorizaram, de formas distintas, sobre a essência desses grupos sociais. Além disso, certamente não vai ser muito respeitada no mundo moderno ocidental, que renega esse tipo de organização social, ainda que possa fazer negócios com ela, afinal, negócios são outro departamento.

         Enfim, é mais do mesmo, do pior que é a regra na elite brasileira, que as vezes se mostra hipocritamente pudica e noutras, como essa, perde a vergonha de dizer que qualidade de gente é. Desrespeitar a pátria, suas instituições, é muito caro aos cidadãos, mas a cidadania não é um valor importante para nossa elite, que só quer faturar mais e mais e tomar o próximo avião. Violentar os poderes constituídos num Estado moderno de direito, como o que pretendemos ser, é pisar na bandeira, deixar de lado a constituição e desprezar as regras mais fundamentais do convívio social, estimulando a irresponsabilidade e atitudes inconsequentes. É um convite à desordem. A extrema direita e o centrão estão dobrando a aposta e, como sempre, conduzindo a sociedade brasileira por rumos perigosos. Em nome da defesa da liberdade absoluta, algumas pessoas ainda embarcam na conversa e ratificam essas atitudes, mas para além do projeto tosco de sociedade que têm, há firmes propósitos que não se coadunam com os valores das modernas democracias, e a percepção disso tem aumentado significativamente graças a eventos como esses na semana que passou.

 

* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.

 

 

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