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Justiça

Sentença obtida pelo MPF reafirma proteção à liberdade religiosa e condena discurso de ódio contra o candomblé

Decisão da Justiça Federal na Paraíba aponta que associar crimes a religiões afro-brasileiras reforça estereótipos e preconceitos

Por Redação do Reporterpb

30/10/2025 às 20:18

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Imagem Ministério Público Federal (MPF)

Ministério Público Federal (MPF) ‧ Foto: Divulgação

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A Justiça Federal na Paraíba condenou um locutor e comentarista por crime de racismo religioso, previsto no artigo 20, §2º, da Lei nº 7.716/1989, após denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF). O caso envolve comentários feitos em programa de televisão, em 2021, que associaram o candomblé à prática de ‘magia’ durante a cobertura da prisão de um homem suspeito de homicídio.

Durante a transmissão, o repórter mencionou a casa de um homem identificado como praticante de candomblé, sugerindo ligação entre o crime e a religião.

Segundo a sentença, proferida pela juíza da 16ª Vara Federal na Paraíba, essa associação não tinha relevância jornalística e reforçou estereótipos históricos que desqualificam as religiões de matriz africana. “Ao se referir ao candomblé como prática de magia, algo que conota mal espiritual, atribuiu-se pecha negativa à prática desse culto religioso, mormente quando estabeleceu elo entre um autor de um crime violento e seu credo religioso”, registra a decisão.

Dois pesos – A sentença mostra como as religiões ainda são tratadas de forma desigual na sociedade. Há tolerância e respeito quando se trata de religiões cristãs, enquanto as religiões afro-brasileiras continuam enfrentando rejeição e preconceito, muitas vezes associadas, de forma injusta, a ideias negativas ou criminosas.

Para demonstrar esse contraste, a magistrada utilizou um ‘exercício teórico’ que evidencia o absurdo da associação feita pelo réu: “Basta imaginar o quão sem sentido soaria se afirmar, numa reportagem policial, que um suspeito de homicídio foi capturado em uma casa onde se realizavam encontros para novenas ou estudos bíblicos; ou ainda que o dono da residência participava ‘dessas coisas’ de vigília. Qual seria a relevância de o local já ter sediado encontros religiosos? Nenhuma, evidentemente.”

A juíza também observou que o réu demonstrou desprezo pelo simples fato de o suspeito pertencer, ou ser visto como pertencente, a uma religião de matriz africana. Mesmo sem prova de que ele fosse praticante do candomblé, o comentário reforçou preconceitos contra grupos religiosos minoritários. “Esse veneno, gota a gota, dissemina e reforça a subalternização, e dificulta que esse grupo seja compreendido como sujeito de iguais direitos”, diz a sentença.

Desinformação e impactos sociais – A decisão também enfatiza que, ao exercer o jornalismo opinativo em rede de televisão aberta, o réu tinha o dever de não desinformar a população e não fomentar o ódio, especialmente em temas sensíveis que envolvem religião, raça e identidade.

Para ilustrar o potencial destrutivo da desinformação, a magistrada citou o caso de Fabiane Maria de Jesus, linchada em 2014, no Guarujá (SP), após a divulgação de um boato falso de que sequestrava crianças e estaria envolvida com ‘magia’. O exemplo, segundo a sentença, demonstra como discursos baseados em preconceito e desinformação podem gerar violência real e irreparável.

Perseguição e demonização - A sentença ressalta que associar o candomblé à ‘magia’ é um equívoco histórico e cultural, fruto do preconceito religioso e da falta de informação sobre o verdadeiro significado dessa tradição. O texto judicial descreve o candomblé como uma religião afro-brasileira estruturada, com teologia, ritos, ética e filosofia próprias, fundamentada na relação entre o ser humano, a natureza e o sagrado.

Os cultos aos Orixás, divindades ligadas aos elementos naturais, expressam essa harmonia. Ao reduzir essa fé complexa à ideia de ‘magia’, observa a juíza, ignora-se sua profundidade espiritual e transforma-se uma tradição religiosa em caricatura pejorativa.

A decisão também lembra que o candomblé surgiu da resistência dos povos africanos escravizados, que preservaram suas crenças apesar de séculos de perseguição, criminalização e demonização. Historicamente, visões eurocêntricas e cristãs classificaram práticas afro-brasileiras como ‘feitiçaria’ e as associaram, de forma injusta, à ‘magia negra’, perpetuando o racismo religioso.

As oferendas, os cânticos e as danças, explica a magistrada, são expressões de fé e comunicação com o sagrado, comparáveis a orações, velas ou incensos em outras religiões. Mesmo os sacrifícios de animais, realizados com respeito e sentido simbólico, representam agradecimento, equilíbrio e fortalecimento espiritual, sem qualquer relação com práticas ocultas.

Reparação – O réu foi condenado a dois anos de reclusão, pena substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de R$ 15 mil a uma entidade com atuação social, preferencialmente ligada à promoção das religiões de matriz africana.

O Ministério Público Federal recorrerá da decisão.

Fonte: Ascom

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