01/12/2025 às 14:10
Inss ‧ Foto: divulgação
Ao discutir gastos do governo, há duas grandes rubricas que centralizam o debate por seus patamares bem superiores às demais. São as rubricas da previdência social e dos juros e amortizações. Dessas, a última se destaca ainda mais, pois no histórico recente responde por cerca de 45% de todas despesas do governo, enquanto a primeira se aproxima da metade desse volume. Depois dessas duas, a terceira maior rubrica, as transferências para Estados e municípios, responde por cerca de 10%, a assistência social é a quarta e atinge 6% do orçamento executado, e todas demais não alcançam 5% (dados para 2024 em https://auditoriacidada.org.br/). Não é à toa que os juros e a previdência são recorrentemente discutidos.
Há uma diferença fundamental na gestão histórica dessas rubricas. Enquanto os juros e amortizações da dívida pública são protegidos pelos governos executivos com leis e regulamentos diversos como a lei de responsabilidade fiscal, que tem por premissa o superávit primário, instrumento que força o governo a ter receitas maiores que despesas, mas excluindo dessa conta os juros e amortizações (https://auditoriacidada.org.br/conteudo/superavit-primario-o-debate-rebaixado/), a previdência social frequentemente é alvo de reformas para conter aumentos de gastos na área. Em parte essas reformas são justificadas, pois o envelhecimento da população muda a pirâmide etária e a base da arrecadação, mas por outra parte não é, ademais, pelo que está previsto na constituição, a previdência não é deficitária, pois ela tem fontes de recursos constitucionais que muitos desconsideram ou ignoram propositalmente (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-grande-farsa-chamada-deficit-previdenciario/363553891). Em síntese, os juros podem aumentar, mas os gastos com aposentadorias e pensões, não.
Embora esteja muito claro o problema, a grande mídia, empresarial, não coloca a questão nos seus devidos termos, preferindo focar as críticas nos gastos previdenciários (https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/governo-gasta-60-dos-recursos-com-previdencia-e-pessoal-aponta-estudo/), se apoiando na própria exclusão dos juros para o cálculo do viesado déficit público primário. Se juros não tem limites para pagamentos, não haveria o que discutir. Ocorre que, como o leitor já pode ter observado, a questão não é meramente técnica, e sim, como a maior parte dos problemas econômicos, de economia política. A visão crítica em relação à previdência e mansa quanto aos juros coloca a grande mídia de um lado, e não é o da maioria da população.
A rubrica dos juros e amortizações é de interesse do capital financeiro, altamente concentrado no Brasil e agente principal nas configurações do processo de produção e circulação das mercadorias nos países, seguido pelas bigtecs. Mostra disso é a elevada influência deles nas diretorias dos bancos centrais no mundo, e em particular no Brasil. Do outro lado, temos a previdência, objeto de interesse da grande parte da população, especialmente a mais fragilizada economicamente, que disputa cada real a mais na renda para tentar alcançar um nível digno de vida. Assim fica fácil entender porque os a maior parte dos congressistas são sensíveis apenas aos argumentos e apelos em torno das restrições orçamentárias previdenciárias, afinal elas não afetam as classes mais abastadas, como afetam os juros. É um jogo desigual que a população só pode equilibrar elegendo parlamentares comprometidos efetivamente com a maioria da população, para poder contestar o privilégio dos juros altos no país por meio, por exemplo, da auditoria da dívida pública.
Nessa luta desproporcional, um lado á ancestral. Os juros reais no país são estratosféricos a cerca de 50 anos (antes eram relativos à dívida externa e agora prevalece o serviço da dívida interna), só podendo ser comparado a um ou dois países que eventualmente tentam competir com o nosso nesse campeonato do melhor lugar do mundo para os capitais financeiros. O ponto é a distância em relação a todos outros; significativa. Os outros países têm patamares de juros muito inferiores. Trata-se, portanto, de um problema ‘jurássico’ nos três sentidos, na antiguidade, no peso, e na dimensão, uma vez que os níveis escorchantes dos juros são um fardo para o país, limitando seriamente suas possibilidades de crescimento.
Dito tudo isso, é preciso enfatizar que sempre é necessário uma boa gestão dos gastos públicos em geral, inclusive das despesas previdenciárias. Muitos mecanismos e instrumentos foram criados para tornar mais eficiente a gestão pública a partir da constituição, e as transformações tecnológicas recentes também contribuíram muito nesse sentido, mas mesmo assim é preciso estar vigilante aos excessos dos gestores e exigir sempre apuração de fraudes, pois a administração pública de grandes valores sempre atrai criminosos financeiros. Não se pode vacilar na gestão do dinheiro público, podendo a sociedade pensar em penas maiores para os crimes relacionados. Enfim, a sociedade deve atinar tanto para a eficiência da gestão quanto para o componente político do problema.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.

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