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julgamento

Julgando o futuro  - por: Alexandre Lyra*

Onde se trama meu destino

Por Alexandre Lyra • Política

15/09/2025 às 11:43

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Imagem Vamos lhe dar uma chance então

Vamos lhe dar uma chance então ‧ Foto: divulgação

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 - Mas eu não estava lá! – resmungou enfaticamente o futuro.
            - Estava sim. – Retrucou o juiz, que continuou: você estava naqueles meninos e meninas que acompanhavam seus pais irresponsáveis.
            - Mas ali eu não sabia o que estava acontecendo, culpe meus pais. 
            - Seus pais, o senhor e a senhora Presente, já estão condenados e você está sendo agora porque estava aprendendo muitas lições equivocadas com seus eles. Você iria ficar muito parecido com eles.
            - Excelências, antes eu realmente ficaria, mas agora é diferente, justamente porque meus pais estão sendo condenados, agora eu sei que eles estavam indo por um caminho errado. Ainda continuo sendo morto em favelas, quebradas, nas mãos do tráfico, ou ferido definitivamente quando abandono a escola, mas eu sempre posso mudar, apesar que já estava ficando cansado, pensando em deixar todos pra lá, porque me dão muito trabalho, eu não posso ficar em pé um tempo que me dão uma rasteira. Mas agora pelo menos tenho noção de que não vale tudo para se chegar lá em cima, ou ficar por lá, onde tudo acontece, nas bandas de Brasília. Onde se trama meu destino. Hoje amanheci meio diferente, embora com fome e com minha irmã atazanando meu juízo como sempre, mas com uma vontade de brincar, de jogar uma bola e até de estudar. Olhei pra a rua esburacada, contei os capangas do tráfico lá no alto, tava tudo do mesmo jeito, mas a coisa era dentro de mim, pouco importava que ia ser duro, o mesmo perrengue de sempre, mas hoje pouco sinto a desnutrição, porque ganhei um lanche reforçado de esperança. Por isso apelo.
            - Vamos lhe dar uma chance então, mas você ter que ir pra escola direto e vai ser acompanhado por assistentes sociais e psicólogos.
            - Mais do que isso, o que mais preciso é que vocês continuem julgando severamente meus pais. eu preciso do exemplo deles e eles precisam melhorar, aprender alguma coisa certa nessa vida. Não adianta olhar pra mim e achar que daqui a um tempo eu vou dar um jeito em tudo, no país, porque vou acabar repetindo muito do que toda parentada dos Presentes está aprontando. Eu preciso do exemplo de vocês também, vossas excelências, senão como eu vou achar que vale a pena estudar se eu continuar vendo que quem se dá bem manda uma banana pras leis?
            - Você está nos julgando?
            - Longe de mim, mas que eu saiba, no nosso sistema social a justiça tem um papel importante, então ela tem que ser justa, e não ignorar a realidade em volta, as desigualdades monstras, e fazer ‘jus’ ao seu nome.
            - Estamos conscientes. Estamos fazendo o melhor possível.
            - Posso ir?
            O juiz pisca um olho e diz: - Vá então. Dessa vez você nos convenceu. Esperamos continuar convencendo você também. 
 
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.

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