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O tempo da moral e o nosso tempo - por: Alexandre Lyra  

A moral diz respeito ao ser, que pensa sobre como viver, quais as condutas adequadas e a convivência social segue a partir das definições dos parâmetros morais aceitos

Por Alexandre Lyra • Política

07/07/2025 às 09:10

Imagem Convivência social

Convivência social ‧ Foto: Divulgacão

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Cada sociedade tem seus parâmetros morais, no seu tempo e no seu lugar. Há maior proximidade de valores morais em uma certa época, como essa em que vivemos, mas sempre há diferenças culturais entre alguns povos, um pouco maiores ou menores. Sabe-se que as sociedades asiáticas, por exemplo, têm uma inclinação ao rigor, então lá o modelo da sociedade moderna se curva a tradições locais que envolvem alta cobrança em termos de desempenho, seja estudantil ou profissional. No seu tempo, porém, a moral pode mudar.
         
Na tradição japonesa, o lugar do trabalho era tido como a segunda casa das pessoas, onde estava sua segunda família, e a regra era alguém entrar jovem numa empresa e sair dela apenas com a aposentadoria. A mobilidade do mercado existia, mas poucos usavam esse expediente, nem o empregado, por acreditar que essa não era uma possibilidade razoável (como explicar para os outros?), nem o empresário, que dificilmente ficaria insatisfeito com o comportamento e a produtividade de seus funcionários. Veio uma grave crise econômica na década de 1980, trazendo consigo um aumento expressivo no desemprego e os japoneses custaram a entender que tinham que procurar outros lugares para trabalhar, mas acabaram entendendo pela força da situação que havia esse tipo de movimento na economia de mercado. Os que conseguiram trabalho ficaram satisfeitos, pois muitos nem sequer tiveram a possibilidade de ser empregados em outra empresa.
         
A moral diz respeito ao ser, que pensa sobre como viver, quais as condutas adequadas e a convivência social segue a partir das definições dos parâmetros morais aceitos. Há várias sociedades que nunca alteram seus fundamentos morais, mas as sociedades modernas vieram para mudar isso. É princípio fundador delas a discussão frequente dos marcos sociais, que podem ser revistos a qualquer momento. Mantendo os princípios fundamentais do Estado moderno de direito, vários comportamentos e tradições podem ser alvo de discussão, mas foi preciso muito tempo para chegar a esse modelo, vingando a compreensão de que podemos e devemos evoluir moralmente, mudando nossa concepção de mundo.
         
Nossos antepassados talvez achassem natural a escravidão, isso era corrente no Brasil e em outros países, esse foi o maior negócio de sua época, nada movimentava mais a economia brasileira, mais até que qualquer cultivar. Alguns começaram a contestar e discutir a questão, vieram conflitos diversos e depois de muito tempo, as camadas superiores, que ganhavam dinheiro com escravos, direta ou indiretamente, cederam e foi abolida a escravidão. Mesmo assim, o ranço escravista persistiu, não só aqui, como nos EUA, onde o problema é mais explícito. Até a década de 1960 havia apartheid em muitos lugares do sul norte-americano, como se proibia manifestações homoafetivas públicas na Inglaterra e até o voto feminino só foi incorporado em alguns países por esse tempo. Esses direitos básicos foram efetivamente conquistados há pouco tempo e ainda estão em processo de consolidação, em pleno século XXI.
         
Algumas pessoas querem a liberdade do sistema moderno sem ser modernas. Querem torcê-la e viabilizar medidas menores, como ter direito de expulsar imigrantes, agredir diferentes. Definitivamente não compreendem a essência do princípio maior, mas basta olhar a tríade da revolução francesa para ver seu erro: liberdade, igualdade e fraternidade. A liberdade vem para superar os autoritarismos, e para isso é preciso ter flexibilidade moral para entender que as pessoas podem ter concepções de vida diferente e que é preciso superar as heranças equivocadas de nossos antepassados para chegar à convivência fraterna. Fora disso, se tem fundamentalismos de certos países orientais, que estão muito mais para idade antiga ou média, onde só há um juízo de certo e errado e severas punições para quem sair da linha. Não há fundamentalismo de jeans e roupas de praia, é preciso entender as consequências das escolhas. 
         
A crítica e autocrítica são cruciais para reflexão em torno dos princípios morais. São os exercícios principais para a saúde ética. Como o corpo, o ser precisa se mexer para não se entrevar e morrer. Os médicos reafirmam que acomodação e preguiça são tendências naturais do corpo que devemos superar para obter mais saúde física. Um corpo acomodado é mais frágil, tem mais facilidade em adoecer, e quando adoece, sofre mais. Também um ser que não reflete sobre seus comportamentos tem uma probabilidade maior de padecer mentalmente, de achar que só ele tem razão. Temos que contornar a inclinação de querer que os outros sejam iguais a nós, isso é subestimar o ser humano, que construiu tantas coisas a partir, justamente, da mudança na forma de pensar.
         
Antes as sociedades eram elitistas e autoritárias, mas a sociedade livre moderna é aquela que escolheu a difícil alternativa de melhorar para todos, nela a exclusão é excluída. É muito mais fácil a pequenez da acomodação em valores arcaicos, mas devemos buscar a grandeza das melhores possibilidades do ser humano. Como os processos morais são prolongados, infelizmente ainda não podemos desfrutar integralmente dessa nova concepção, nosso tempo ainda é de luta pela afirmação desse projeto, para, quem sabe, nossos netos sejam contemporâneos de uma sociedade efetivamente livre e fraterna.
 
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.

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