22/10/2025 às 09:00
Ciro Gomes ‧ Foto: divulgação
Lideranças nordestinas têm se destacado no plano nacional desde a redemocratização, surgindo nomes de vários Estados da região como Collor, Sarney, Lula, Ciro Gomes, Tarso Jereissati, e Flávio Dino que despontaram para o cenário nacional e para o círculo central do poder no Brasil. Essa representatividade continua com uma renovação qualitativa, como é o caso de Jones Manoel, jovem político que tem aumentado muito sua popularidade via redes sociais. Teriam elas algum diferencial?
A construção de lideranças tem relação com vários fatores, como a importância econômica ou política do Estado ou da região, de uma base educacional mais forte da pessoa ou do lugar, de tradição (familiar ou regional) do político, entre outros fatores. O Nordeste é a segunda região mais populosa do país, o que garante importância eleitoral no plano nacional, mas não garante protagonismo, já que é lugar de pouca dinâmica econômica frente ao centro-sul. Isso geralmente resulta em representantes de conveniência, figurantes, apenas para completar chapas e conferir verniz nacional a algum projeto de poder, como foi o caso de Marco Maciel. Esse tipo de político, como aquele que foi indicação para sucessão de uma liderança consolidada (caso de Dilma), não vem das entranhas do diálogo com o povo. Estou falando dos políticos que têm carisma próprio, o dom da comunicação com a população e da capacidade de articulação política.
Como se trata de um país de baixa tradição democrática, anteriormente era regra a relevância econômica regional formar hegemonia eleitoral, e assim, até o último ciclo de regime militar, acordos determinavam a origem das lideranças nacionais. No historicamente reconhecido ciclo do café com leite, os presidentes só podiam ser originários dos dois Estados economicamente mais expressivos, São Paulo e Minas, notadamente, os produtores de café e leite. Esse ciclo só foi interrompido quando as forças políticas desses Estados começaram a se desentender, abrindo espaço para um paraibano (Epitácio Pessoa) e depois para um ciclo militar extemporâneo comandado por Getúlio Vargas, aliado principalmente a dissidentes mineiros e paraibanos.
Até o ciclo do café, as elites monopolizavam o poder por mecanismos diversos, e a democracia, quando havia, era simbólica. Poucos votavam e quando votavam eram bem ‘orientados’ pelos coronéis das regiões produtoras dos principais itens exportáveis. A democracia propriamente só acontece com a efetiva participação popular e grandes segmentos foram excluídos do processo até recentemente. Só com Vargas as mulheres ganharam direito ao voto, e em 1985 os analfabetos puderam exercer esse direito. O fato dos analfabetos representarem um grande contingente populacional até pouco tempo é emblemático da essência dessa pátria, sistematicamente marginalizadora de seus filhos. Então essa história recente não pode ser considerada, só interessa discutir após o ciclo militar 1964-1984, quando afinal a democracia se instala e se mantém até hoje.
Quando há expansão da democracia, é esperado que a estrutura democrática permita ascensão de lideranças de segmentos menos favorecidos, que antes não podiam aparecer. As regiões Norte e nordeste são as mais pobres do país, sendo que o Nordeste tem o triplo da população nortista, e muitos deles migram para regiões mais abastadas para driblar a escassez geral. Lula despontou no Estado mais rico do país, e Jones Manoel também vem da precariedade da periferia urbana, outros, entretanto, continuam a brotar de classes favorecidas e esquemas eleitorais tradicionais (como Hugo Mota), e vários deles têm êxito em se destacar no meio político nacional, de modo que esse também não é o ponto.
Do século passado para cá, o predomínio do neoliberalismo no mundo envolveu as elites econômicas de maneira a abraçarem a ideia do ‘cada um por si’, e isso transforma regiões mais pobres em pesos mortos indesejáveis e regiões ricas em centros do universo que não conseguem enxergar além do próprio umbigo. Nesse processo, toda uma população, que contribuiu ao longo do tempo com a construção do país, é desprezada por líderes do Centro, do Sudeste e do Sul que ao tentar valorizar sua região acabam diminuindo outras. Há uma dificuldade histórica do Sul em compreender o país como um povo só e lugar de diferentes condições geográficas e de formações econômicas, que foi agravada na atualidade em razão do liberalismo reinante. Isso gera um vácuo de lideranças nacionais nas regiões mais industrializadas que é preenchido por nomes de outras regiões, em particular, do Nordeste, que conseguem se comunicar com toda diversidade do povo brasileiro, dialogando, no fim, com a precariedade da condição de vida da maioria dos brasileiros.
As transformações tecnológicas das últimas décadas podem produzir alienação ou conhecimento através de informações/formações certas ou equivocadas, disponíveis aos milhares na internet, e assim, a condição periférica do país vai sendo reformulada ou consolidada na cabeça dos cidadãos. A direita tem surfado no universo virtual, mesmo com a precariedade de seu projeto nacional, apontando para a manutenção das estruturas. O ‘centro’ político na periferia é de direita, oligárquico e fisiológico, tem capacidade de eleger governadores e congressistas, mas tem tido dificuldade de produzir liderança nacional principalmente devido à incompatibilidade histórica de sua pauta em relação aos interesses da maioria da população pobre, então ela controla o sistema pelo congresso, onde se forma uma maioria com lideranças regionais. E assim a nação vai seguindo rumo à próxima eleição.
Há méritos nas lideranças nordestinas, mas eles aparecem nacionalmente mais por causa da miopia e dos preconceitos presentes na retórica de boa parte dos políticos do centro sul, que repetem um discurso anacrônico que angaria votos dentro de seus muros, mas afasta os de fora dele. Bons políticos podem surgir em qualquer momento ou lugar e propor avanços no seu devido tempo, mas propostas no âmbito nacional tem que vir relacionadas a uma perspectiva nacional, qualquer que seja ela. Se tiverem capacidade cognitiva verão isso e se corrigirão, senão continuarão a repetir ladainhas de apelo fácil e de alcance limitado em todos sentidos.
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
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