15/09/2025 às 09:26
Pressão por prazos, solidão e jornada de trabalho exaustiva. essa é a rotina da maioria dos caminhoneiros no Brasil. Com a palavra Emerson André, o “Facebook”, há 16 anos na estrada.
“Tem muitos motoristas ficando doentes, porque o estresse do cotidiano, o trajeto se torna cansativo, a família cobrando que você não tá em casa, você perde muita coisa da sua família.”
Já Daniel Lima, o “Del caminhoneiro”, roda há 26 anos pelo país.
“Às vezes a tensão na estrada, ela é constante. Mas aí, são muitos anos de estrada, e a gente aprende muito. Então, você acaba aprendendo a dominar também o momento de raiva ou tensão.”
Enfrentar a solidão e manter a calma na estrada nem sempre é fácil. Essas questões foram incluídas na atualização das diretrizes de saúde e segurança no trabalho no Brasil que estão previstas na Norma Regulamentadora 1, do Ministério do Trabalho e Emprego que rege também o trabalho dos caminhoneiros.
Segundo Barbara Lippi, neurocientista e fundadora da Moodar, empresa que trabalha com segurança psicológica, a atualização da norma incluiu a obrigatoriedade de todas as empresas do país identificarem os riscos psicossociais de seus trabalhadores.
“Isso significa que não basta apenas cuidar da parte física e prevenir acidentes. Agora, as empresas também precisam olhar para os fatores que afetam o bem-estar psicológico, como estresse, fadiga, sobrecarga. E é importante diferenciar. Não estamos falando da saúde mental do indivíduo, mas sim dos riscos do ambiente de trabalho que podem levar ao adoecimento coletivo.”
As empresas brasileiras têm prazo de um ano para se adequarem a atualização da norma. Para Paulo Douglas de Moraes, procurador do trabalho da 24ª região, que abrange o estado de Mato Grosso do Sul, a saúde mental já é reconhecida como problema estrutural da cadeia logística do transporte rodoviário.
“A saúde mental vem se colocando, até porque o aumento vem sendo exponencial na economia como um todo, e em especial no setor de transporte, provocando um fenômeno que foi apelidado e é apelidado de ‘apagão de motorista’. Boa parte dessa falta de mão de obra no setor está associado a uma perspectiva negativa e de ordem subjetiva, de ordem mental, em relação aos profissionais.”
Além disso, de acordo com o procurador, os caminhoneiros estão envelhecendo. A média de idade desses trabalhadores é de 46 anos e os jovens não se interessam pela profissão. O coordenador-geral de segurança viária da Polícia Rodoviária Federal, Jefferson Almeida, avalia o fator saúde mental.
“A gente não tem aqui na Polícia Rodoviária Federal, dados de pesquisa referente à saúde mental, propriamente dita, para afirmar com precisão. Agora, da nossa observação, a gente percebe, sim, que isso é um fator que deve ser considerado.”
Alan Medeiros, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, acredita que o caminhoneiro não gosta muito de se expor emocionalmente.
“É uma característica dele, ele dificilmente expor problemas psicológicos, situações adversas com relação ao comportamento dele. É comum a gente perceber que queixas relacionadas a problemas físicos, dores nas costas, por exemplo, questões de obesidade. Mas quando a gente trata de problemas psicológicos, há uma espécie de blindagem no caminhoneiro porque ele não quer demonstrar fragilidade.”
A gravidade da jornada exaustiva dos caminhoneiros é comprovada por pesquisa conduzida pela Michelle Engers Taube, doutora em psicologia pela Unisinos, que avaliou a saúde mental de 565 caminhoneiros.
“A gente tem elencado então fatores que podem acometer os caminhoneiros, então o fator que mais impactou foi a jornada de trabalho, principalmente porque é uma jornada extensiva e que não se dá somente em relação ao trabalho, ela acaba trazendo um comprometimento das outras áreas da vida do caminhoneiro.”
O psiquiatra e representante da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Alcides Trentin Junior, afirma que a sociedade minimiza os danos de dirigir por longos períodos.
“Dirigir como motorista profissional com essa jornada de trabalho precisa ser enxergado como uma profissão penosa, tanto pelo estresse físico, químico, biológico e mental que esse motorista sofre por tantas horas dentro de um veículo.”
Para Trentin Junior, a busca por dinheiro e recursos acaba pesando mais que a própria qualidade de vida da categoria. E sem o transporte feito pelos caminhoneiros teríamos um colapso dentro do sistema de transporte no Brasil.
Na próxima reportagem da série “Caminhoneiros – saúde mental, segurança ao volante”, vamos abordar a questão da fiscalização e da legislação.
*Com produção de Luciene Cruz, edição de Paula de Castro.
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