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impostos

A isenção que não isenta  - por: Alexandre Lyra*

Dada a pressão de todos lados por mais gastos, a concepção fiscalista acaba prevalecendo nos governos

Por Alexandre Lyra • Política

06/10/2025 às 12:58

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Divulgação/INSS ‧ Foto: Divulgação

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Já discuti anteriormente nesse espaço a proposta de aumento da faixa de isenção no imposto de renda, momento em que destaquei as variáveis principais da questão. Disse que se trata de uma pauta popular de interesse direto da maior parte dos brasileiros, e além disso, mesmo os não afetados pela medida têm a percepção de sua justiça, com exceção de uma minoria privilegiada que não quer nenhum progresso para as camadas baixas de renda. Em segundo lugar ressaltei que, de acordo com dados, a proposta não iria representar aumento real da faixa de isenção, se considerarmos que ela só estaria atualizando a tabela que não foi corrigida por vários anos. Vou aqui acrescentar mais algumas informações e ponderações, agora que a proposta foi aprovada na câmara.
           
Conforme dados do tesouro nacional ( https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2025/marco/carga-tributaria-bruta-do-governo-geral-atingiu-32-32-do-pib-em-2024-mostra-boletim-do-tesouro  ), a carga tributária em relação ao PIB tem se mantido relativamente estável mas com leve tendência de alta nos últimos anos. O imposto de renda é apenas um imposto entre tantos, ainda que um dos mais relevantes, mas o volume total de impostos arrecadados depende de outros fatores, de modo que não podemos associar esse pequeno aumento real da arrecadação à não atualização da tabela do imposto de renda, sem antes fazer estudos mais específicos e aprofundados, mas há indícios disso. O PIB tem crescido acima da taxa de crescimento demográfico, a economia não teve variação estrutural significativa nos últimos anos e não houve alteração da estrutura tributária até agora (que deve começar a mudar em breve).
           
Dada a pressão de todos lados por mais gastos, a concepção fiscalista acaba prevalecendo nos governos. Corrigir a tabela do imposto de renda não passa de obrigação do governo, mas ao deixar de fazer isso, a cada ano o governo ganha um pequeno acréscimo em sua arrecadação real, já que todo ano há alguma inflação e os alguns salários são corrigidos, tornando mais indivíduos aptos a pagar o imposto e fazendo outros se deslocarem para faixas superiores de renda, podendo adentrar em faixas de maior percentual do imposto. A inércia governamental resulta, portanto, em ganhos residuais na arrecadação a cada ano, e o governo vai ficando acostumado com os montantes adicionais, a ponto de, quando resolvem propor um aumento na faixa de isenção, ela vem acompanhada de uma compensação, por meio de uma “cobrança adicional para aqueles com rendimento tributável acima de R$ 600 mil ao ano” ( https://www.camara.leg.br/noticias/1206672-camara-aprova-projeto-que-isenta-do-imposto-de-renda-quem-ganha-ate-r-5-mil-por-mes  ). Nesse contexto, a adoção de um imposto extra para mais ricos fica parecendo mais uma necessidade de manutenção de arrecadação do governo, do que uma política no sentido de promoção de justiça tributária.
           
A nova faixa de isenção é justa, tão justa que vem atrasada, tanto quanto o imposto para os muito ricos. Quando se trata de áreas técnicas, porém, princípios e regras devem ser obedecidos, quando isso não ocorre, provavelmente alguém está faturando um pouco, ou muito. O ganho foi financeiro e agora é político. Na contabilidade e nas finanças não há espaço para criatividade. Já houve a tentativa de se implantar no Brasil um imposto único, um ideal liberal complicado de se implantar, e ele acabou sendo transformado em apenas mais um no meio de tantos outros (o caso da contribuição sobre movimentação financeira, a cpmf). Predominou o fiscalismo, que se estende a esferas estaduais e municipais, sendo difícil de ser contida quando os governos são pressionados principalmente pelo pagamento de obrigações de dívidas (juros e amortizações) significativas. 
           
Quando é para regulamentar algo reconhecido no direito internacional e previsto na constituição nacional de 1988, o imposto sobre grandes fortunas, tanto o congresso quanto o executivo ficavam postergando indefinidamente. É a economia política do direito tributário nas periferias: quem pouco pode arque com elevações anuais de tributos e quem muito pode comemore todo ano, mais um ano de isenção. A isenção é fiscal e é política. A proposta aprovada no congresso pretende corrigir isso ao menos em parte, e se for o caso (se o senado confirmar e o presidente anuir), virá com atraso de pelo menos 37 anos (da promulgação da constituição). E a motivação (manter a arrecadação) não terá sido muito nobre. Antes tarde do que nunca.
 
* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.
 

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