Sousa/PB -
transito

Mobilidade: o xadrez das cidades   - por: Alexandre Lyra*

João Pessoa por muito tempo foi uma cidade tímida entre dois municípios mais desinibídos e com maiores contingentes populacionais (Recife e Natal)

Por Alexandre Lyra • Política

22/12/2025 às 18:33

Ads 970x250
Imagem A mobilidade é um ponto num oceano de desigualdades e desajustes

A mobilidade é um ponto num oceano de desigualdades e desajustes ‧ Foto: divulgação

Tamanho da Fonte

O mal do trânsito conturbado afetava apenas grandes cidades, agora atinge cidades médias e até algumas menores. Quanto maior a densidade demográfica, maior o problema, mas quanto maior a competência e o interesse público de gestões continuadas em resolvê-lo, menores serão os congestionamentos. A eficiência nessa área depende de muito planejamento, que projeta quantitativos populacionais para um futuro, mais ou menos distante, de maneira a antecipar o crescimento da frota de veículos e programar a execução de soluções viáveis. Se há uma complexidade necessária em processos de crescimento homogêneo, quando os estudos de longo prazo são atropelados por um aumento mais repentino da população, as coisas pioram, como é o caso de João Pessoa.

         João Pessoa por muito tempo foi uma cidade tímida entre dois municípios mais desinibídos e com maiores contingentes populacionais (Recife e Natal), mas agora que cresceu bem, parece que ainda não caiu a ficha dos administradores mais recentes, que ainda mantém uma mentalidade mais restrita de cidade menor, com soluções pequenas, desproporcionais ao tamanho do desafio, ou lentas e morosas como os congestionamentos que ajudam a formar (como é o caso da triplicação da BR que liga Cabedelo a João Pessoa. Não precisamos ter o padrão de qualidade chinês, mas muito pode ser melhorado para acelerar as obras.

Administradores públicos municipais devem ter claro os critérios de responsabilidade e racionalidade socioeconômica, estar atentos ao crescimento demográfico e às suas variações, e tomar decisões no sentido de redimensionar o espaço. Na prática, porém, poucas vezes se observa o cumprimento desses mandamentos à risca em economias de mercado periféricas, tendentes a admitir uma organização resultado de um certo caos. Gestores ‘liberais’ pensam que se a cidade crescer muito, em algum momento vai começar a haver um movimento inverso, de repulsão das pessoas e capitais para outros lugares, e vai, mas no meio tempo o estresse toma conta da população, o que deveria ser evitado mesmo a custos mais altos, afinal o setor público não se pauta por lucro. Infelizmente, contudo, a priorização do lucro tem afetado gestões, pois os congestionamentos aumentam muito o consumo dos carros a combustão, tornando interessante mais paradas em semáforos para donos de postos, por exemplo. Esse ainda é o problema menor, pois a perda do tempo decorrente da imobilidade no trânsito prejudica muito a produtividade na economia.

         O fato é que ao invés de haver melhoramentos nessa área, o problema só se estende a cidades menores. Ninguém nunca imaginaria congestionamentos em pacatas cidades do interior do Nordeste há 30 anos atrás e eis que lá estão eles (nas horas de rush). Com o atraso, evidentemente as soluções ficam mais caras e complexas, mas existem. Desestimular o uso dos carros provavelmente é a primeira opção dos gestores, o que só é viável, entretanto, acompanhado de elevados investimentos para viabilizar a substituição do modal, e essa segunda parte poucas vezes é realizada com eficiência. O transporte público teria de ser melhorado substancialmente, o que significa disponibilizar muito mais veículos coletivos para um contingente populacional maior, o que os capitais que operam concessões relutam em entregar. A falta de encaminhamento desse ponto gera a renda de milhares de pessoas que trabalham com transportes privados por aplicativo e taxis, que hoje são viáveis por causa da insuficiência do transporte público. É pressão por esse lado e pressões por transportes públicos mais baratos ou mesmo gratuitos por outro.

         Em muitas cidades, inclusive João Pessoa, os estudos para implementar metrô estão atrasados, graças à pouca atenção ao problema, que reduz significativamente a produtividade da economia. O volume do investimento é alto e tem de ser planejado, realizado pouco a pouco. O governo federal tem um papel central no planejamento e articulação do processo, voltando a investir mais em linhas férreas, por exemplo, mas também os prefeitos e governos podem contribuir, e significativamente, como no caso do metrô, pois as perdas com o travamento da mobilidade diminuem a quantidade de transações possíveis, aumenta o prazo de entrega de encomendas e investimentos, e afeta a saúde mental e física do trabalhador.

A recuperação da produtividade deveria ser interesse maior de todos e a mobilidade é um elemento transversal fundamental do problema. Se perde de ganhar com a mentalidade estreita de não pensar no coletivo, social e econômico, menosprezando o problema. Ao invés de faixa de pedestres, poderiam ser construídos pequenos túneis subterrâneos para travessia de pedestres, semáforos podem ser substituídos por viadutos ou contornos, horários de obras deveriam ser obrigatoriamente de madrugada, e todos esses gastos seriam parcialmente compensados pela redução dos acidentes de trânsito e diminuição do tempo de escoamento das pessoas e mercadorias.

         As gestões municipais brasileiras, no entanto, são tão limitadas que nem sequer se preocupam em observar a própria legislação existente, construindo lombadas em demasia e fora dos padrões legais (ou elevadas demais, ou pouco progressivas, ou sem sinalização, escuras, chamando acidentes no meio da noite), ou relaxando excessivamente no padrão de qualidade dos calçamentos e asfaltos (virando as costas para ondulações e buracos diversos), que em última instância também podem gerar alguns acidentes. É impressionante a discrepância das administrações periféricas em relação às normas que o próprio legislador impõe, e em relação ao tratamento dado à mobilidade urbana nas cidades dos países centrais. Há muito o que melhorar só em termos de obediência interna à lei, e aí a contradição é escancarada: quem deve punir o erro alheio também erra feio. Perde a sociedade, o cidadão e a economia. Todos podemos melhorar nessa área, mas os governos executivos, respeitando a lei, o legislativo, retirando progressões de pena, e o judiciário, aplicando equanimemente a lei, têm de dar exemplo.

         A mobilidade é um ponto num oceano de desigualdades e desajustes, mas um ponto que está se tornando cada vez mais relevante. Muito pode e tem de ser feito para melhorar o panorama geral nacional na área. Economias modernas precisam fluir com mais agilidade e à medida que crescemos vamos ficando pesados e lentos, sem capacidade de reação e avanço. Estamos desacelerando quando deveríamos acelerar. O jogo está sendo jogado e o país não tem sido um bem jogador de jogos que envolvem estratégia e planejamento, como esse. A dama avança pela esquerda, devagar e sorrateira, do outro lado o bispo e a torre se aproximam, estamos prestes a levar um cheque mate... com a rainha sendo atropelada no final.

 

* Professor titular do departamento de economia da Universidade federal da Paraíba.

 

Ads 728x90

QR Code

Para ler no celular, basta apontar a câmera

Comentários

Aviso Legal:Qualquer texto publicado na internet através do Repórter PB, não reflete a opinião deste site ou de seus autores e é de responsabilidade dos leitores que publicam.